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  • Kleber Siqueira

Custódia de Ativos Industriais: O Paradoxo Organizacional

Updated: Feb 27





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Geralmente as empresas delegam a responsabilidade gerencial pela definição e auditoria das estratégias e táticas relativas ao gerenciamento dos seus ativos industriais às organizações de manutenção, geralmente uma organização inserida em camada hierárquica de média gerência ou de supervisão, sem voz no alto nível gerencial (também conhecido como chefia corporativa), ao contrário do tratamento organizacional destinado a outros ativos também estratégicos, os quais são geridos diretamente pela alta administração, tais como os ativos financeiros, os ativos humanos, os ativos de tecnologia da informação, etc.


Para fins deste artigo, ativo industrial é um sistema industrial considerado em todos os seus aspectos, incluindo as entradas e saídas, controles (DCS, SCADA, IACS, HMI), proteções, integridade estrutural, bem como tecnologias digital twin, e sistemas de informações gerenciais (CMMS e APM).


A ISO 55000 fornece uma definição amplamente aceita de gerenciamento de ativos como “as atividades coordenadas de uma organização com o objetivo de gerar valor a partir dos ativos”. O ponto chave é que não é uma extensão da manutenção (organizações).


Por analogia, não faz sentido deixar a gestão dos ativos industriais, que são atores essenciais na cadeia de valor do negócio, portanto com um papel estratégico relevante e fundamental para o sucesso do próprio negócio, ser relegado a uma condição secundária ou mesmo , em alguns casos, simplesmente ser desconsiderada na estrutura organizacional. Ao invés, tais ativos devem estar integrados, sem intermediários, com a alta direção, de modo a estar em posição de efetivamente exercer a função de agente facilitador interdisciplinar no gerenciamento dos aspectos de confiabilidade operacional, necessidades de retrofits, reconfiguracoes, novas plantas etc., bem como assumir a função de autoridade técnica com jurisdição adequada para atuar como legislador e árbitro interno nas matérias que dizem respeito à gestão de confiabilidade operacional e integridade mecânica desses ativos no contexto operacional a que estão submetidos.


Esta contradição, pelos riscos que oferece ao negócio, parece se constituir em um paradoxo organizacional que necessita ser avaliado e, ponderado o risco corporativo potencial de cada negócio, devidamente corrigido.


OBJETIVOS DA CUSTÓDIA DE ATIVOS INDUSTRIAIS


A custódia (tutela) de ativos industriais envolve satisfazer e sustentar as expectativas de três diferentes principais intervenientes (partes interessadas ou envolvidas):

  • Proprietários de Ativos: Estes ficam satisfeitos se os ativos físicos retornam sobre o investimento efetuado e se são rentáveis ao longo do tempo de serviço

  • Usuários de ativos (geralmente os seus operadores): Estes ficam satisfeitos se os ativos físicos continuarem a fazer o que desejam, dentro dos padrões de desempenho que eles – os usuários – consideram satisfatório (incluindo a noção de que o risco de morte ou lesão causada em decorrência de falhas deve ser reduzido a níveis aceitáveis)

  • A sociedade como um todo: Esta fica satisfeita se os ativos físicos industriais não falharem de tal forma que possam representar ameaças à integridade física das pessoas e/ou a integridade do meio ambiente (afetando populações vizinhas ou distantes)

Como se pode inferir a partir das expectativas acima listadas, a importância dos ativos físicos industriais (sistemas físicos de produção, ou seja, processos e/ou máquinas que agregam valor) é estratégica para a cadeia de valor do negócio na qual estarão inseridos ao longo da fase operacional do seu ciclo de vida.


GESTÃO DE ATIVOS INDUSTRIAIS E GERENCIAMENTO DE MANUTENÇÃO


O gerenciamento de manutenção pode ser definido como sendo o conjunto de ações de planejamento, programação e controle das atividades e recursos necessários para manter a integridade funcional e o desempenho dos componentes dos sistemas industriais.


As organizações de manutenção geralmente realizam reparos, inspeções e monitoramentos de condição exigidos pelos ativos industriais. Entretanto, mais recentemente, a incorporação de algumas atribuições relacionadas com a confiabilidade operacional dos ativos industriais, expandiu o seu escopo e a sua responsabilidade ao englobar funções relacionadas com a nova disciplina que trata do gerenciamento de ativos industriais de modo mais amplo e segundo critérios para satisfazer objetivos estratégicos das companhias.


Com a consolidação dessa expansão do escopo tradicionalmente atribuido à função manutenção, que acrescenta responsabilidades com relação a confiabilidade dos ativos industriais, essa desconexão funcional com a alta gerência corporativa está sendo gradualmente evidenciada.


Em decorrência, é possível identificar a importância em se repensar uma adequada inserção para a função gestão de ativos industriais na estrutura organizacional do negócio. Dessa constatação, algumas questões surgem:


A atual prática organizacional, ou seja, os departamentos de manutenção agregando a função gestão de ativos industriais atende às necessidades estratégicas e táticas da empresa de modo coerente?


Quais as limitações da prática organizacional atual?


Quais as possíveis soluções para um adequado encaminhamento do assunto organizacional?


A gestão de ativos físicos deveria estar em par de igualdade com a gestão de outros ativos estratégicos para o negócio?


Os tópicos seguintes desse artigo apresentam alguns aspectos da mentalidade corporativa vigente com relação à gestão de ativos industriais, buscando desenvolver uma análise crítica que possibilite melhor compreensão da questão em foco, a fim de possibilitar uma solução adequada para problema identificado na estrutura organizacional.



CUSTÓDIA DE ATIVOS FINANCEIROS: UMA ANALOGIA


Em 1494, um frade florentino chamado Luca Bartolomeo de Pacioli inventou o sistema de contabilidade de partidas dobradas (partidas duplas), que se consolidou como a base do processo de custódia financeira. Até hoje, mais de 525 anos depois, os analistas financeiros e contabilistas usam as idéias de Pacioli como base para a gestão de ativos financeiros em nome das pessoas que possuem, ganham e gastam o dinheiro.


No mundo financeiro, custódia responsável significa garantir que todas as transações financeiras sejam contabilizadas, registradas nos balanços e auditadas até o último centavo no final de cada período fiscal.


Procedimentos, normas, regulamentos e documentações específicas necessárias para realizar este processo de gestão tornaram-se padronizadas e parte integrante das melhores práticas que regem as finanças corporativas, mesmo que seja intensivo em exigências de alocação de recursos e caro.



CUSTÓDIA DE ATIVOS INDUSTRIAIS


A compreensão do alcance e das responsabilidades dessa nova disciplina, denominada gestão de ativos físicos industriais, por sua vez ainda muito recente e com menos de 30 anos de estruturação e experiência prática, se desenvolve em meio da enorme e acelerada transformação tecnológica em curso e que tem como resultante uma nova geração de ativos industriais cada vez mais complexos, com exigências de desempenhos operacionais cada vez mais altos, utilizados em sistemas de produção com intenso nível de automação, com produções que exigem desempenhos cada vez mais desafiadores (quantidade, qualidade, segurança, meio ambiente, custos etc), inseridos como parte de cadeias produtivas just-in-time, bem como submetidos à requisitos e legislações regulatórias ambientais e de segurança humana cada vez mais rigorosas.


Apesar deste cenário extremamente desafiador, a disciplina denominada gestão de ativos industriais, com atribuições completamente diversas das atribuidas à disciplina manutenção, ainda não está devidamente estudada e compreendida quanto a sua importância estratégica e real dimensão como facilitadora e responsável dos assuntos relacionados com a confiabilidade operacional da cadeia de valor de processos industriais.


Em consequência, as organizações estão defasadas nesta área do gerenciamento estratégico, omitindo ou desconsiderando a inserção da disciplina gestão de ativos industriais como parte da alta gerencia das empresas industriais.


Usando a custódia financeira como analogia, é possível dizer que a “moeda corrente” adotada para se estabelecer critérios de gerenciamento de risco em ativos industriais é o modo de falha/causa.


No entanto, para se garantir uma custódia responsável dos ativos industriais, considerar apenas os modos falhas/causas não é suficiente. É preciso ir além.


Em resumo, os responsáveis pela custódia dos ativos industriais precisam também detalhar e tratar ordenamente outros aspectos relacionados ao seu gerenciamento, como por exemplo:

  • descrever as funcões

  • descrever os desempenhos operacionais esperados

  • descrever as falhas funcionais associadas

  • descrever com precisão os cada modo de falha/causa e seus efeitos no contexto operacional corrente

  • avaliar a gravidade da consequência de cada modo de falha/causa

  • identificar e selecionar estratégias de gerenciamento para mitigar ou eliminar as consequências identificadas, que atendam aos critérios técnicos exigidos para a sua aplicabilidade e que tenham efetividade de custo

  • garantir que estratégias definidas sejam executadas da maneira certa, na hora certa e pelas pessoas certas

  • definir e implementar indicadores de performance (KPIs e scorecards) adequados e específicos para monitoramento da confiabilidade

  • auditar periodicamente as estratégias de confiabilidade em vigor, usando recursos internos e/ ou de terceiros independentes

  • Atuar como gestor dos sistemas de informação diretamente vinculados à disciplina (CMMS, APM etc.)

Avaliando os tópicos acima, os quais constituem responsabilidades atribuídas à organização de gestão de ativos industriais, torna-se claro que não é adequado simplesmente transferir ou adicionar tão complexo e amplo escopo de trabalho às organizações de manutenção. Essas organizações normalmente estão sobrecarregadas com o seu escopo de trabalho básico, o qual é também complexo e amplo, e tem por objetivo retornar o ativo à cumprir o seu papel em caso de falha (disponível para cumprir as suas funções) no tempo mais curto possível.


Note-se que este documento se limita a colocar em debate a conveniência de uma correta inserção da função gestão de ativos físicos no organograma das corporações.

Não coloca em dúvida a capacidade técnica e gerencial dos engenheiros e técnicos de manutenção, que acumulam algumas atribuições relacionadas com a gestão de ativos físicos, mas proporcionar uma reflexão sobre a necessidade de se reconhecer e inserir na organização corporativa uma nova e importante disciplina.


O escopo principal das organizações de manutenção, por sua vez, geralmente abrange, entre uma infinidade de atividades, dentre as quais:

  • executar as intervenções de reparo

  • executar as estratégias pró-ativas (ações preditivas e/ou preventivas) ao seu cargo

  • solucionar falhas inesperadas e executar o reparo

  • desenvolver/atualizar os procedimentos para execução das ações de manutenção

  • planejar e priorizar as ordens de serviço de reparo

  • planejar a disponibilidade de recursos humanos

  • avaliação de risco de execução das intervenções de manutenção

  • programar a execução das ordens de serviço de acordo com as prioridades das operações e programas de disponibilidade de sistemas para a execução de tarefas de manutenção

  • encerrar as ordens de serviço, garantindo informações de qualidade apropriada para uso nos indicadores de desempenho de manutenção e de confiabilidade

  • garantir a qualidade dos serviços executados, prevenindo retrabalhos

  • interagir com a cadeia de suprimentos

  • colaborar na definição dos níveis de estoques de sobressalentes

  • identificar os sobressalentes críticos

  • elaborar os procedimentos para gerenciamento dos estoques de sobressalente

  • participar ativamente dos estudos (análises) de confiabilidade

  • participar de análises de causa raiz de falhas, especialmente as não previamente identificadas e as com alta consequência

  • participar no planejamento, programação e gerenciamento de paradas programadas

  • participar no gerenciamento e no controle da qualidade dos serviços terceirizados

  • coordenar as necessidades de treinamento continuo dos recursos humanos disponíveis

  • implementar KPIs e scorecards tradicionalmente aceitos como boas práticas (por exemplo, como definido pela SMRP ou ABRAMAN


Como se pode inferir, o escopo das organizações de manutenção é específico, complexo, amplo, e com muitas interfaces. Tal perfil funcional, combinado com a natureza e complexidade dos processos produtivos, torna-se um desafio de grande porte que ocupa intensamente os integrantes - gerentes, engenheiros e técnicos.


Ou seja, trata-se de um escopo altamente especializado e complexo, que consome muito recurso humano e tempo, exige especialização, comprometimento e dedicação por parte das equipes envolvidas.


No contexto da analogia com a gestão de ativos financeiros, comparemos o que acontece quando as coisas dão errado no mundo da gestão financeira versus ao mundo da gestão de ativos físicos industriais.


Em geral, as consequências são desproporcionais, ou seja,:


As piores consequências da custódia irresponsável de ativos financeiros são que uma empresa pode falir e seus guardiões processados e eventualmente presos.


No entanto, as consequências da custódia incorreta ou irresponsável de ativos industriais são ainda mais graves, pois uma ou mais pessoas podem ser feridas ou mesmo perecer, bem como o meio ambiente pode ser severamente afetado.


Como se pode concluir do comparativo acima, o escopo e as responsabilidades adicionais atribuidas à organizações de manutenção, combinadas com suas limitações organizacionais e estruturais para o exercício adequado dessa custódia, oferece um potencial risco corporativo que precisa ser mensurado, pois não leva em conta as características estratégicas e as particularidades desta nova disciplina.


De fato, os riscos ao negócio representados pela inadequação da estrutura organizacional são crescentes com a complexidade dos ativos industriais de última geração e dos contextos operacionais em que atuam, incluindo as exigências impostas por órgãos reguladores (em vários níveis de governo). Tais fatores implicam em uma atenção corporativa cada vez maior para com a efetividade das políticas/estratégias de gestão de ativos industriais em vigor.


Em última análise, há uma pressão crescente, por parte dos intervenientes (proprietários, usuários e sociedade), para que a alta administração demonstre que está envolvida diretamente nas medidas prescritas e em prática na organização, a fim de mitigar as consequencias das falhas dos ativos industriais a níveis aceitaveis, de modo sensato e defensável.


O PARADOXOORGANIZACIONAL


Figura 1 – Organograma geral típico


O paradoxo organizacional torna-se evidente à medida que as empresas identificam e reconhecem a necessidade de avaliar e considerar algumas questões fundamentais, tais como:

  • os riscos decorrentes da sobrecarga e inadequação de se atribuir às organizações de manutenção funções além de seu escopo e especialidade funcional

  • a lacuna no gerenciamento de risco do negócio decorrente da inexistência de uma organização com atribuições específicas para exercer as funções de gestão dos ativos industriais, com similar autoridade quanto se atribui à gestão de outros ativos já reconhecidos (finanças, recursos humanos, tecnologia da informação etc.)


GESTÃO DE ATIVOS INDUSTRIAIS: MUDANÇA DE PARADIGMA ORGANIZACIONAL


A gestão de falhas/causas de ativos industriais em seu respectivo contexto operacional, abrange mensurar e mitigar a gravidade de suas consequências em relação a:

  • Segurança (pessoas feridas e fatalidades)

  • Integridade ambiental (desastres ambientais)

  • Perdas de Produção (quantidade, custos, tempo de inatividade, etc)

  • Qualidade (produtos e/ou serviços)

  • Obsolescencia tecnologica

A natureza estratégica desta disciplina emergente, devido ao seu campo de atuação altamente especializado e amplo, exige independência de ação para facilitar e auditar utilização das melhores práticas de gerenciamento de falhas dos ativos físicos, demandando uma mudança dramática do paradigma organizacional atual, para que se promova e incorpore esta nova disciplina à alta gerência (chefia corporativa), a fim de assumir efetivamente o seu relevante papel e responsabilidades corporativas.


Por conta deste paradoxo organizacional, as empresas em geral ainda não estão prontas para tornar efetivos os esforços corporativos para implementar efetivamente uma nova cultura de gestão de ativos industriais, conforme recomendado por padrões internacionais como ISO 55000, PAS-55 e ISO 31000.


A norma PAS-55, por exemplo, define a gestão de ativos da seguinte forma: “atividades e práticas sistemáticas e coordenadas por meio das quais uma organização gerencia de forma otimizada e sustentável seus ativos e sistemas de ativos, seu desempenho associado, riscos e gastos ao longo de seus ciclos de vida com o objetivo de alcançar seu plano organizacional estratégico."


Portanto, em relação à gestão de ativos industriais, existe um elo perdido: a própria organização necessária para suporte à função gestão dessa nova e ainda pouco compreendida disciplina!


Assim, torna-se cristalina a prioridade da alta gerência das empresas em avaliar a importância estratégica desta nova disciplina para o negócio, de modo a orientar um possível ajuste ao organograma corporativo, bem como defininir as diretrizes para as suas atribuições e perfil dos recursos humanos necessários.


Em síntese, é provável que em empresas de médio e grande porte, onde as falhas podem envolver significativo impacto ao negócio, a recomendação estratégica deverá ser:


Criar uma organização, em nível de alta gerência (chefia corporativa) para assumir o gerenciamento de ativos industriais, pois este é o paradoxo organizacional a ser resolvido!


Adicionalmente, as organizações de manutenção também precisam começar a rever o seu posicionamento frente a este paradigma organizacional, a fim de propor à alta direção um debate aberto sobre a injustificada, desnecessária e até perigosa "dose extra" de responsabilidades a que está incumbida, pois, ao final das contas, representa um risco potencial para o próprio negócio.


É hora de remover essa alta responsabilidade adcionadas impropriamente às organizações de manutenção, de modo a permitir foco e qualidade na execução de suas não menos importantes atividades e contribuições para a confiabilidade operacional dos ativos industriais.


O conceito do redesenho organizacional necessário, bem como a justificativa para sua adoção, serão discutidos detalhadamente em outro artigo à parte.


Estabelecer um novo paradigma organizacional para a gestão de ativos físicos é um edifício ainda em construção.


Seus comentários e sugestões serão bem-vindos!


Obrigado












 

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